EU 4CREDITO NO QUE VEJO OU VEJO O QUE 4CREDITO?

Este artigo possui 9.893 palavras.
Hoje, mergulharemos no âmago de um tema que mais parece um jogo de palavras, mas que carrega uma profundidade psicológica e filosófica desafiadora.
Seríamos nós apenas espectadores do mundo ou os autores da nossa própria narrativa? As crenças que moldam a nossa interpretação são construídas com base em quê? Evidências? Desejos? Ilusões?
Se a nossa percepção dita as nossas crenças, a nossa realidade reina de forma absoluta. Mas e se as nossas crenças filtram a nossa percepção, nós não seríamos apenas prisioneiros das nossas próprias construções mentais?
Afie a lâmina da sua análise crítica e bora!
Nossa Janela para o Mundo
Todos sabemos que percepção é o processo pelo qual os nossos 5 sentidos (visão, audição, olfato, paladar e tato) captam os estímulos do ambiente ao nosso redor e os transmitem ao nosso cérebro. Lá, eles são interpretados e transformados em nossas experiências conscientes.
No entanto, por mais que essas interações pareçam diretas, não é isso o que realmente ocorre. Nossos sentidos, por mais que bem desenvolvidos, são também bem limitados. Ao pegarmos a visão humana como exemplo, percebemos que ela capta apenas uma pequena faixa do espectro eletromagnético. Já a nossa audição não é capaz de captar os sons que possuem frequências muito altas e muito baixas.
E, além disso, alguns fatores como a iluminação, a distância e o contexto influenciam direta e significativamente a nossa percepção. Objetos podem aparentar ter uma cor quando estão sob influência de uma determinada luz, mas sob outra luz aparentam ter outra cor. Dependendo do ambiente em que nos encontramos, um determinado som pode ser interpretado como reconfortante ou ameaçador.
Mas nós não possuímos somente limitações físicas, as cognitivas também estão presentes. Nosso cérebro interpreta, filtra e preenche lacunas com base em nossas experiências passadas e expectativas. Isso mesmo, ele não é apenas um singelo receptor de informações passivo. Essa capacidade de interpretação, filtragem e preenchimento significa que cada pessoa percebe os estímulos, mesmo se tratando dos mesmos, de maneiras completamente diferentes, pois cada indivíduo é influenciado por sua história de vida, culturas e estado emocional.
Portanto, a percepção é a principal ferramenta utilizada por nós para interagir com o ambiente e as pessoas, mas ela está bem longe de ser infalível e 100% confiável. O reconhecimento destas limitações é sempre o primeiro passo para compreendermos como nossas crenças influenciam diretamente o que percebemos.
O Paradoxo
Quando falamos das limitações da nossa percepção, não podemos deixar de citar o dilema:
É a nossa percepção que define a nossa realidade ou é a nossa realidade que molda a nossa percepção?
Pois é, desde o período pré-socrático até os neurocientistas atuais, essa pergunta ainda fervilha em debates sobre o que chamamos de “realidade”.
Vamos a um exemplo simples. Imagine-se caminhando por horas no deserto do Saara, dunas e mais dunas de areia a perder de vista. Está extremamente quente, sua água acabou, o sol cozinha seus miolos lá do alto e você começa a ter miragens. Você acredita estar vendo um oásis com palmeiras e água em abundância. Você caminha aliviado em direção a esse oásis, se aproxima mais e mais, mas se frustra, pois ele não está lá. Essa situação seria um erro da sua visão ou um erro da sua crença?
Um Ponto de Partida ou um Beco sem Saída?
Essa dúvida aí já atormentava os pensadores da Grécia Antiga. Eles se instigavam, se perguntando: “O que nós vemos é substância ou aparência?”. Um cara chamado Parmênides, já bem insatisfeito com a mutabilidade do mundo sensorial, defendia a ideia de uma verdade imutável. Para ele, nada do que percebemos com o nosso corpo físico revela o que é real. Os discípulos dele podem tê-lo chamado de narizudo-cabeça-dura, mas sem essa ideia os debates sequer teriam começado.
Um outro cidadão grego, chamado Heráclito, ao contrário de seu colega, falava aos quatro ventos sobre o fluxo eterno e constante: “Tudo flui, nada permanece o mesmo”. Para ele, as crenças e percepções se entrelaçam e dançam em um ciclo que não possui começo e nem fim. Sendo assim, se nada possui uma essência fixa, as crenças e as percepções coevoluiriam.
Alguns anos depois, Platão dizia que o mundo sensorial seria apenas uma sombra mal feita do mundo extrasensorial, que ele chamou de mundo das ideias. Digamos que sua famosa “Alegoria da Caverna” é uma versão bem filosófica da pergunta “será que estou vendo ou imaginando isso tudo?”. O cara acreditava que o que nós percebemos através dos nossos sentidos são apenas versões distorcidas da verdade. Isso significa que o que nós vemos, ouvimos, sentimos pode ser apenas um teatro de sombras.
Se enxergarmos um boneco dançando em frente à parede de uma caverna, nós até podemos acreditar que existe um dançarino, contudo, o dançarino não passa de uma mera projeção. Logo, o ato de ver alimenta nossas crenças, mesmo as falsas. Segundo ele, para alcançarmos o “real”, nós precisamos transcender a nossa percepção sensorial.
Aristóteles foi discípulo de Platão e reclamava do excesso de abstrações feitas pelo seu mestre. Deste modo, ele nos introduziu a noção de uma verdade correspondentista, ou seja, a ideia de que uma crença só é verdadeira se ela corresponder a uma realidade objetiva.
Por exemplo, se alguém afirmar que o fogo queima após encostar as mãos em uma brasa, essa crença corresponde ao fenômeno. Mas mesmo assim, Aristóteles também admitiu que os nossos sentidos podem nos enganar e, deste modo, ele acabou não resolvendo nada do dilema original. Ele apenas o colocou sob uma outra luz.
As Certezas Interiores e a Dúvida Metódica
Quem nunca escutou a famosa frase “Cogito, ergo sum.”? (Penso, logo existo.) E não se achou especial, não sabe o que é duvidar das coisas… Tal qual um cão perseguindo o próprio rabo, o querido René Descartes duvidava de tudo. É como se ele tivesse nascido certo de que o mundo só poderia ser uma simulação criada por um gênio maligno - sim, ele realmente achava isso. Até o momento em que ele percebeu que não poderia duvidar de estar duvidando.
Esse tio possuía uma crença tão ferrenha em seu próprio pensamento que todas as suas crenças tornaram-se rochas inabaláveis. E, a partir disso, ele separou a mente do corpo, criando assim o dualismo cartesiano. A percepção corporal já não valia mais nada, somente o pensamento era o que garantiria a verdade. Com esse novo paradigma, nós passamos a acreditar no que pensamos e não no que vemos - pelo menos alguns de nós.
O cara aí foi o que “arrumou a casa”, as crenças passaram a residir no julgamento racional e não nos malvados e traiçoeiros sentidos. Porém, essa “solução mágica” jogou para baixo do tapete da existência a explicação de como a mente e o corpo interagem - além de nunca ter dado uma explicação sobre aqueles humanos que existem, mas não pensam.
Assim, sem respostas convincentes, apenas nos restou a sensação de que o malabarismo praticado pelo modelo cartesiano (ainda em vigor) só transferiu o desconforto, mas não extinguiu e nem respondeu coisa alguma.
Pouco tempo depois, no ano de 1690, John Locke discordou publicamente do dualismo cartesiano exagerado. Em sua obra “Ensaio sobre o Entendimento Humano”, ele afirmou que a mente humana é como uma tábula rasa, em branco ao nascer, e que nossas experiências moldam as nossas crenças. Portanto, se um bebê, de alguma forma, toca uma brasa quente e começa a chorar, logo, ele já terá criado a crença de que o fogo queima. Ele chamou isso de percepção originária, o que quer dizer que todo o conhecimento derivaria dos sentidos ou das constatações refletidas a partir desses dados.
Para Locke, o ato de acreditar no que vemos é quase como uma tautologia - vício de linguagem que consiste em repetirmos uma ideia usando palavras diferentes - nesse ensejo, nossos sentidos, mesmo que imperfeitos, funcionariam como a tela em branco e nossas crenças apareceriam conforme ocorrem os estímulos sensoriais. Seguindo essa ideia, a pessoa que nunca sofreu uma queimadura pode acreditar que o fogo serve apenas como fonte de iluminação. A experiência revelaria o que é real, corrigindo assim as crenças.
Colocando isso de outra forma, Locke promoveu a ideia de que a percepção sensorial é a que fiscaliza as crenças. Tudo muito bonito, mas isso acabou abrindo espaço para mais uma questão: se nossas experiências diversas geram crenças distintas, onde entraria a Verdade nessa história toda? Locke pode até ter tentado responder que a nossa percepção é falha e exige cautela, mas ela também não invalidaria o empirismo. Grande consolo.
No ano de 1710, Berkeley passou a perna nas ideias de Locke - e de maneira bem dramática. Em sua obra “Tratado sobre os Princípios do Conhecimento Humano”, Berkeley diz “Esse est percipi” (Ser é ser percebido) e, além disso, ele afirmou que não existe nenhuma matéria que seja independente, tudo se trata de uma ideia na mente divina. A coisa toda acabou virando algo semelhante a “Eu vejo porque acredito que Deus sustenta o que vejo”.
A velha disputa ceticismo vs fé - boring. O crente aí em cima ainda usou de humor ácido para cima do cético: “Seu cérebro existe apenas porque Deus quer que você veja seu cérebro existir.” Berkeley triturou a fronteira entre ver e crer - e, de quebra, deu ainda mais corda para a galera que adora usar Deus como argumento para tudo.
Mas como se toda essa novela mexicana ainda não fosse o bastante, alguns anos depois, David Hume resolveu enveredar-se no caminho do ceticismo de forma ainda mais desconcertante. O cara questionou a causalidade. Ele disse que nós nunca vemos as ligações necessárias, apenas a sucessão dos eventos. Isso significaria que, se nós vemos a bola rolando após um chute, nós acreditamos que foi o chute que impulsionou a bola.
Confuso? Eu explico melhor, o que existe nisso tudo é apenas o nosso hábito mental de associar eventos e como “resultado” disso ninguém pode provar nada com certeza, todo o conhecimento é provisório e baseado em percepções que se repetem. Essa conclusão exacerbou ainda mais todo o dilema, nós já não podemos confiar totalmente nos sentidos, nem no raciocínio e agora estamos presos em um looping de dúvidas.

A Revolução Kopernicana da Filosofia
Algum tempo depois, surgiu Immanuel Kant para adicionar um pouco mais de gasolina na fogueira do dilema. O cidadão chegou dizendo que a realidade em si (chamada por ele de “número”) é inacessível e o que nós conhecemos são apenas representações formadas pela nossa mente (os “fenômenos”). O infeliz não parou por aí e afirmou que existem estruturas mentais inatas, as “categorias”, que moldam todas as nossas experiências. As percepções sensoriais entrariam em nosso cérebro de maneira bruta e lá seriam filtradas por essas categorias a priori: o tempo, o espaço e a causalidade.
Isso tudo aí traduzido para o português significa que essa história de “eu acredito no que vejo” se trata de algo bem relativo, pois tudo o que vemos já passou pela peneira mental. A mente organiza o mundo em categorias pré-existentes (o espaço, o tempo e a causalidade) e isso quer dizer que nós já vemos o mundo através do filtro de nossas crenças muito antes de sabermos que estamos olhando para alguma coisa. Lindo, não é?
Diferentemente de Locke, Kant falou que o mundo e a mente não se tocam de forma direta. O mundo “em si” é algo incognoscível, nós só acessamos os fenômenos modelados pela nossa mente. As crenças não se tratam de mera percepção, e sim de construções mentais.
Para dar um exemplo, isso soaria como se, ao olharmos para um rio, ele nos pareceria contínuo, pois nossa mente impõe essa ideia de continuidade, mesmo que as partículas líquidas sejam completamente descontínuas. Se nós estamos convencidos de que o mundo é algo ordenado, é só porque o nosso intelecto impôs essa ordem.
O resultado disso? Nós não vemos nada que seja diretamente real. O nosso cérebro não é um espelho passivo da realidade. Não. Ele é como um projetor hiperativo que está sempre procurando prever o que está por vir. Nós só vemos o que já esperamos ver. E o que nós esperamos ver? O que nós já acreditamos! Seja bem-vindo ao labirinto.
O Debate Pós-Kantiano
Depois de Kant ter jogado a merda no ventilador, o reino da filosofia entrou em divergência. Fichte negou a história do “mundo em si” de forma completa, para ele, o ego é o que cria tudo. Shelling teve um affair bem apimentado com o misticismo. Schopenhauer, por sua vez, jogou na cara de todo mundo a ideia de que a vontade irracional molda nossas percepções. Para todos eles, é como se as crenças e as percepções dançassem ao ritmo de um tango infinito e contínuo.
O bagulho ficou tão louco que até sobrou para o Kant. Ele, que foi o cara que bateu o martelo de que nós percebemos um mundo já filtrado, se viu enrrabado por mais uma questão: então, se nós percebemos nossas crenças ao invés da realidade, em que essas crenças estão baseadas? Tudo bem, poeticamente inconclusivo.
Cada um Vive de Acordo com a sua Verdade
Cunhado pelo filósofo alemão Friedrich Nietzsche, o perspectivismo se tornou um gancho de direita à ideia de que uma verdade absoluta possa existir. Para Nietzsche, a realidade não se trata de algo fixo, objetivo e externo, mas sim de algo que se revela de forma distinta de acordo com o indivíduo, isso porque este é condicionado por sua cultura, biologia, experiências e também por suas paixões e desejos.
Usando suas palavras: “Não existem fatos, apenas interpretações.” Isso até pode parecer besteira para alguns, mas ao mesmo tempo se trata de algo profundamente libertador - mas desconcertante. Imagine que nós possuímos uma visão de caleidoscópio, agora imagine que observamos o mundo através desta visão, cada rotação muda completamente o padrão, mas todos os padrões são reais. A visão do perspectivismo se assemelha a esse exemplo, nós somos, aproximadamente, 8 bilhões de visões, todas elas são válidas dentro de seus próprios contextos. Chupa, Absolutismo!
Não tem como esse conceito não abalar a arrogância daqueles que dizem “eu sei o que é certo”, isso nos colocaria diante do relativismo das experiências humanas. No entanto, é bom que compreendamos que o perspectivismo não é um convite a desenvolver uma visão niilista, não se trata de “tudo vale, então nada vale”. Muito pelo contrário, é mais como um chamado à autoresponsabilidade, pois, se cada um vê o mundo à sua maneira, então cabe a cada um explorar, confrontar e expandir os seus próprios horizontes.
O perspectivismo seria também um convite à empatia e ao diálogo. Afinal, se todos nós possuímos visões de mundo legítimas, não existe fundamento em julgar, mas todo o fundamento em ouvir e conversar. Nos tempos atuais em que vivemos em meio a uma polarização quase histérica, as ideias perspectivistas nos forçariam a sair da zona de conforto criada pelas certezas.
Essas ideias poderiam nos mostrar que, ao acreditarmos de maneira cega em apenas uma versão dos fatos, nós nos tornamos o equivalente mental de alguém que come sempre o mesmo prato porque acha que esse é o único que existe no menu de um restaurante cinco estrelas.
Século XX, a Psicologia Moderna e as Ciências Cognitivas
Começamos falando de William James, o cara que focou na utilidade das crenças e não na veracidade absoluta delas. Isso aí funciona mais ou menos assim: se a gente acreditasse que um trem nos ajudaria a atravessar os trilhos em segurança, então essa crença é algo que “funciona”.
Para James, as nossas percepções se ajustam às nossas crenças que maximizam o nosso estilo de vida. Usando o mesmo exemplo, se nós vemos o trem vindo, é porque estamos esperando o trem vir, ou seja, a nossa crença literalmente moldou a nossa atenção seletiva. Mas, se nós deixarmos de ver o trem vindo em nossa direção, por que achamos que ocorreria algum atraso? Pois é. Não existe uma resposta para isso. Logo, o “eu vejo o que acredito” se torna algo imperativo pragmático, as nossas crenças moldariam as nossas experiências de forma adaptativa.
Algum tempo depois, nasceu a psicologia Gestalt. Os senhores Köhler, Koffka e Wertheimer demonstraram como a nossa mente tende a organizar os estímulos em padrões significativos. Exemplo: ao vermos três pontos alinhados, nós percebemos uma linha, mas essa linha não é vista quando olhamos ponto por ponto.
As nossas crenças prévias nas formas fazem com que nós enxerguemos padrões, ou seja, nós aprendemos a observar quadros completos e não pedaços que não possuem uma estrutura, pois nossa mente é perita em preencher lacunas. Se chegarmos a ver um rosto de forma parcial, digamos que ele esteja metade coberto, o nosso cérebro irá completar a lacuna.
Com isso, a ideia de “eu acredito no que vejo” torna-se refém de um esquema mental que preenche quebra-cabeças visuais e a neutralidade sensorial deixa de existir.
Nos aproximamos dos tempos mais modernos e, com eles, temos Michel Foucault e um alerta: o que nós chamamos de verdade está sempre atrelado ás relações de poder. Essa verdade é construída de forma social e moldada por discursos dominantes. Segundo ele, não existe uma verdade objetiva, absoluta e imaculada, o que existe é uma disputa de versões “oficiais” sobre os fatos. Isso possui implicações diretas na nossa forma de perceber o mundo, é claro.
Outro filósofo contemporâneo que resolveu mexer nesse vespeiro foi Richard Rorty. Ele disse que a verdade é aquilo que o nosso grupo aceita como verdadeiro. Bem simples. Objetividade, em seu ponto de vista, seria apenas um mito e todo conhecimento seria somente um consenso temporário.
Logo, a pergunta de um milhão lançada no início desse artigo não possuiria uma resposta definitiva. Mas ela revelaria algo bem crucial: nós vivemos cercados por construções. Nós construímos as crenças. Nós construímos as percepções e, às vezes, ainda chamamos essas construções de “realidade”.

O Filtro da Realidade, o Viés de Confirmação e os Neurônios-Espelho
Falando um pouco mais sobre as crenças, elas são as convicções que possuímos sobre o mundo e são formadas a partir de nossas experiências, ensinamentos, cultura e emoções. Elas são os nossos filtros, através deles nós interpretamos as informações recebidas. Quando cremos firmemente em algo, nós temos a tendência a interpretar dados e informações de maneira que essas crenças sejam confirmadas, ignorando e rejeitando outras informações que possam contradizê-las.
A esse fenômeno foi dado o nome de “viés de confirmação”. Esse viés é uma forma de economia cognitiva, pois ao confirmar nossas crenças, nós evitamos o esforço mental de reconsiderá-las - pura preguiça de pensar e medo de não se ter razão. Na década de 1960, o psicólogo Peter Wason conduziu um experimento que ilustrou isso. Ele mostrou a vários participantes a sequência numérica 2-4-6 e depois pediu para cada um descobrir a regra por trás desta sequência.
A grande maioria dos participantes formulou uma hipótese bem específica (“números pares crescentes”, por exemplo) e depois passou a testar apenas as sequências que confirmavam essa hipótese, ignorando completamente as demais hipóteses que podiam refutar aquela que eles haviam escolhido. A regra correta era muito simples, “números em ordem crescente”, mas pouquíssimos participantes a identificaram, tudo em função do viés de confirmação.
Mas, engana-se aquele que pensa que esse viés atinge somente pessoas de forma individual. Antes fosse. As sociedades também são afetadas. Estamos em tempos em que a polarização política é cada vez maior, as pessoas tendem a alimentar-se de informações que reforçam suas visões, enquanto rejeitam as fontes que as desafiam.
Não precisa ser gênio para adivinhar que isso cria bolhas de informação onde diferentes grupos vivem em meio a realidades paralelas, cada um totalmente convencido de que possui a verdade. O velho jogo do nós estamos certos e eles errados.
O reconhecimento de que o viés de confirmação existe é algo que se faz essencial para o melhor desenvolvimento de um pensamento mais aberto e crítico. Obviamente, isso envolve a busca ativa de informações que desafiem nossas crenças, mas acima de tudo, a nossa disposição em reconsiderá-las quando há o aparecimento de novas evidências.
Mais um exemplo simples disso seria: a pessoa que acredita que determinado grupo é perigoso tenderá a lembrar-se apenas de notícias que reforcem essa ideia já existente, o que quer dizer que ela ignorará qualquer evidência em contrário. Não precisaria dizer que essa atitude transforma-se em um ciclo vicioso, onde a crença molda diretamente a percepção e essa, por sua vez, reforça cada vez mais a crença em si - independente de esta ser ou não coerente.
Portanto, aqui o “eu vejo o que acredito” seria a regra geral. Hans Christian Ørsted ficou boquiaberto no momento em que presenciou o mover de um compasso que estava próximo a um fio elétrico, esse fenômeno teria sido rapidamente ignorado caso ele acreditasse que os ímãs só interagem com ferro.
Um outro experimento, realizado primeiramente em macacos, no ano de 1990, trouxe a descoberta dos neurônios-espelho. Neurocientistas italianos perceberam que a região do córtex pré-motor dos macacos apresenta um tipo especial de neurônios e esses ativavam-se não só quando um determinado macaco praticava uma ação, mas também no macaco que observava enquanto o outro realizava aquela ação. Ou seja, esses neurônios espelhavam a ação do outro no cérebro do observador, como se ele próprio estivesse realizando aquela ação.
Mais tarde, já no ano de 2001, essas evidências mostraram que humanos também possuem esses neurônios e que eles estão localizados nas regiões do córtex pré-motor (área responsável pelo planejamento e coordenação dos movimentos corporais), do córtex parietal inferior (área responsável pelo reconhecimento de objetos e rostos, percepção das cores e capacidade de diferenciação de formas complexas) e da área de Broca (região do lobo frontal do hemisfério dominante, normalmente o esquerdo, responsável pela produção da fala e da linguagem).

Os neurônios-espelho agem desta forma, sendo fundamentais em diversas funções cognitivas e sociais. Exemplos disso são as funções de imitação: quando aprendemos ao observar os outros; empatia: quando entendemos as emoções alheias; linguagem: tem relação com as origens da comunicação verbal e as teorias da mente: a nossa capacidade de imaginar o que outros estão pensando ou sentindo.
Nunca a frase “Os filhos não escutam o que os pais dizem, eles copiam o que os pais fazem” fez tanto sentido.
A Mente que se Engana
Conforme vimos mais acima, a filosofia cansou de nos avisar que os nossos sentidos podem ser bem traiçoeiros, mas todos esses avisos não resultaram. Com isso, a psicologia cognitiva nasce e já chega metendo o pé na porta, trazendo com ela dados, experimentos e gráficos - muitos gráficos. Segundo ela, a mente humana é como uma máquina construtora de significados e que é cheia de atalhos, botões, vieses e bugs, é claro.
Um exemplo disso seriam as ilusões de ótica. A nossa mente não “vê” ou “ouve” de forma passiva, ela interpreta, corrige e completa as coisas, e, muitas vezes, erra rude no processo. A psicologia nos mostrou que as percepções são diretamente influenciadas por diversos fatores, como: a atenção, a emoção, a fadiga e até a desgraçada da expectativa.
O conhecido experimento do “gorila invisível” conduzido por Daniel Simons e Christopher Chabris demonstra isso muito bem. Alguns participantes são instruídos a contar os passes de bola entre os jogadores, muitos sequer percebem a presença de um homem vestido de gorila que de repente atravessa a cena. Isso ocorre em função de nossa atenção ser seletiva. Nós vemos o que estamos preparados para ver, ou melhor, o que nossas crenças permitem que vejamos.
Neurociência e a Plasticidade Neural
Já deu para perceber que nosso cérebro não é apenas um espectador neutro. Ele mais parece um roteirista obsessivo, sempre reescrevendo as cenas enquanto elas se desenrolam e usando como base o que ele acredita que deveria estar acontecendo.
A ciência moderna vem nos mostrando que o que nós chamamos de percepção é, em grande parte, pura previsão. É isso mesmo, o nosso cérebro prevê o que vamos ver mesmo antes de nós vermos de fato. Algumas pesquisas em neurociência, como a teoria do “cérebro preditivo” de Karl Friston, trouxeram à baila algumas informações intrigantes. Esses dados mostraram que a nossa mente funciona como uma bola de cristal, ou seja, por meio de adivinhação.
A nossa mente recebe os dados sensoriais do mundo e os compara com os seus próprios modelos internos e, quando existe um erro na previsão, a mente se ajusta… ou apenas ignora o erro e continua insistindo no próprio modelo. Assim, surgem os fenômenos como a ilusão de ótica… é só o nosso cérebro preferindo a coerência interna do que admitir que errou feio.
Um exemplo bem prático e popular é o do famoso “vestido azul e preto ou branco com dourado”, as pessoas só enxergam cores diferentes porque cada cérebro faz suposições distintas sobre a iluminação da cena. Não tem essa história de quem viu certo ou errado. Cada pessoa estava apenas vendo aquilo que o cérebro dela julgava como sendo mais provável.

Outros estudos, como os conduzidos pelo português Antonio Damasio, atestam que nossas emoções influenciam diretamente nossas decisões racionais e também nossas percepções sensoriais. Isso mostra o quanto as nossas crenças envolvem as áreas cerebrais pré-frontais e do lobo parietal. Essas regiões são as responsáveis pela integração entre informações sensoriais e emoções, ou seja, os estímulos que nossos sentidos recebem ganham uma atribuição emocional.
Exemplo:
Algumas pessoas possuem a crença de que um trevo de quatro folhas traz sorte. Dados de ressonância magnética mostraram que, ao terem contato visual com um trevo, essas pessoas demonstraram uma redução de atividade na amígdala cerebral - estrutura ligada ao sistema límbico e fundamental no processamento e reconhecimento de emoções, como fugir ou lutar - ou seja, o medo e a ansiedade da pessoa diminuíram.
Mas, por outro lado, houve um aumento de atividade nas áreas relacionadas à recompensa (estriado ventral), o que quer dizer que o cérebro desta pessoa respondeu como se algo bom estivesse acontecendo de fato.
A partir deste exemplo, poderíamos concluir que:
O que nós acreditamos ou esperamos muda a forma como o nosso cérebro processa uma determinada experiência. Portanto, as crenças não se tratam apenas de ideias abstratas, elas modulam a nossa atividade cerebral e podem até mesmo redesenhar a nossa percepção do mundo.
E isso não para por aí, como efeito dessas crenças, o nosso cérebro cria uma plasticidade sináptica que consolida essas crenças ainda mais ao longo do tempo. Se nós repetimos certas ideias, as conexões serão reforçadas. Nós somos seres que aprendemos com a repetição. Quantas vezes você precisou repetir até decorar a tabuada, ou ler e escrever?
Pois é. O mesmo ocorre com as pessoas que observam (leem, assistem, escutam) diariamente as manchetes alarmistas dos noticiários. Essas pessoas, geralmente, possuem percepções de caos, pânico, medo, raiva, insegurança, ansiedade… não importando se existem estatísticas que mostrem as reduções nos níveis de violência. A consequência: o mundo parecerá para elas cada vez mais violento e pior. Tudo porque essa crença se repete e se reforça ao receber cada vez mais estímulos diários produzidos e veiculados pela mídia.
É interessante analisar que as pessoas que não acompanham essas mídias alarmistas não possuem essas reações. Elas podem ter conhecimento da existência da violência, mas também têm a noção de que as boas notícias não viram manchete pois não são tão lucrativas quanto as que disseminam pânico e medo. Justamente por isso, as propagandas políticas existem. Elas nos fazem crer no terror, na falta, na miséria, nas crises... tudo com fins de criar percepções de ameaça que consequentemente “justificam” guerras, cortes, aumentos de impostos… Não existe ponto sem nó quando o assunto é a manipulação das massas e isso, infelizmente, não é papo conspiratório.
Efeito Pigmaleão e a Cognição Incorporada
Um experimento clássico foi o de Rosenthal e Jacobson em 1968, quando ambos mostraram que as expectativas de alguns professores influenciavam diretamente o desempenho de seus alunos. Esses professores receberam nomes aleatórios de estudantes que estariam prestes a “melhorar suas notas”. Meses depois, esses alunos “sortudos” realmente elevaram suas notas.
Como isso aconteceu? Muito simples, os professores, de forma inconsciente, começaram a tratar os “escolhidos” de uma forma muito mais encorajadora e positiva, moldando assim o comportamento destes alunos a partir das crenças que possuíam neles.
Essa “profecia” ganhou o nome de Efeito Pigmaleão, mas também é conhecida como a profecia autorrealizável. Um fenômeno psicológico onde as expectativas de um indivíduo em relação a outro podem influenciar diretamente o desempenho e/ou comportamento do indivíduo “alvo”, fazendo com que estas expectativas se concretizem.
O fenômeno foi nomeado dessa forma engraçada por causa de um mito grego. Neste mito, um escultor se apaixona pela sua obra, uma estátua. Essa estátua acaba ganhando vida graças a Afrodite, a deusa do amor e da beleza. A ideia principal é o que acreditamos pode tomar forma e se tornar real.
Bem empolgante, mas como tudo possui dois lados, o antônimo disso também existe e se chama Efeito Golem. Trata-se da pessoa que possui expectativas negativas em relação a outra e isso acaba consequentemente contribuindo com um baixo desempenho da pessoa “alvo”.
Para quem está se perguntando se esse efeito se limita às escolas, a resposta é não. Em outros ambientes, como os corporativos e familiares, tanto o Efeito Pigmaleão quanto o Efeito Golem acontecem de maneira frequente. A única diferença é, muitas vezes, o não conhecimento do assunto. Nossas crenças funcionam como moldes invisíveis que modelam o barro da realidade, pois elas não só nos dão uma interpretação do mundo, elas também o constroem.
A nossa mente, bem ao contrário do que a maioria pensa, não é um espelho que reflete o mundo e as pessoas ao nosso redor. Ela é como uma lanterna que ilumina alguns pontos enquanto outros ficam na sombra. Justamente por isso que, o autoquestionamento se faz tão importante.
Quais crenças você está cultivando? Elas estão ditando o ritmo da sua vida e questionar-se sobre elas não se trata apenas de desenvolvimento pessoal, se trata de aprender sobre a engenharia que está por trás da sua realidade.
O ano era 1991 e os cientistas Varela, Thompson e Rosch falavam que a cognição em si não residia somente em nosso cérebro, mas sim em todo o nosso corpo. Ao tocarmos algo com a pele, um ursinho de pelúcia, por exemplo, os nossos nervos sensoriais captam as informações e elas são enviadas ao nosso cérebro. Ele as interpreta como uma determinada sensação tátil, nesse caso o de algo macio, e com base nessa experiência, nosso cérebro cria uma crença sobre este tipo de textura.
Agora, o nosso cérebro já espera sentir a maciez do ursinho quando vê um, isso em função da experiência passada ou da aparência do ursinho. Sendo assim, o nosso cérebro ajusta como interpretará os sinais recebidos pela pele, mesmo antes de tocar o ursinho novamente. Ele passa a dar mais atenção aos sinais de suavidade e menos aos sinais de dureza, esse processo é chamado de “ênfase neural”.
Mas, se, por outro lado, nosso cérebro vê algo o qual ele espera que seja duro, em função da aparência do objeto, por exemplo, um travesseiro decorativo com estampa hiper-realista em formato de tijolo. Nosso cérebro vê o tijolo/travesseiro e associa-o imediatamente a algo duro, mas ao encostar, nós sentimos uma superfície macia. Por alguns milissegundos, o nosso cérebro irá ficar confuso, estranhando a sensação ou até mesmo interpretando-a como algo resistente. Tudo isso porque a expectativa visual criou uma interpretação tátil errada.
Esses exemplos bestas mostram que as nossas expectativas influenciam diretamente na forma como o nosso cérebro percebe as coisas ao tocarmos nelas. Se nós acreditamos que algo é macio, nosso cérebro ajustará os nossos sentidos para confirmar esta crença. E caso nós esperemos que algo seja duro, nosso cérebro pode “ver” dureza onde na realidade não existe nenhuma. Isso nos mostra como a nossa mente é capaz de moldar até mesmo as nossas percepções sensoriais mais básicas, neste caso, o nosso tato.
É assim que a nossa mente, o nosso cérebro e o nosso corpo conversam de maneira incessante. O “eu vejo o que acredito” aqui passa a ganhar uma dimensão corpórea.
A Psicologia Positiva e a Zona Cinza entre Objetivismo e Subjetivismo
O fundador da psicologia positiva, Martin Seligman, lá em 2011, entrou na passarela no dilema, desfilando a ideia de que ter crenças otimistas gera um comportamento mais saudável. Segundo ele, as pessoas que acreditam no crescimento pessoal tendem a perceber os feedbacks alheios não como críticas, e sim como oportunidades de auto-melhoramento.
Essa crença no potencial passa a ver até mesmo as críticas mais duras como oportunidades de acerto no percurso do desenvolvimento pessoal. Interpretar críticas como afronta é algo que não está presente na mente destes indivíduos.
Com tudo o que falamos até agora sobre as crenças, é claro que muitos de nós podem se ver diante de uma guerra onde as percepções falhas lutam contra as crenças subjetivas. Com isso em mente, o filósofo Roy Bhaskar propôs um cessar-fogo em forma de realismo crítico.
Essa abordagem traz o ponto de vista da existência de uma realidade objetiva independente das nossas crenças e nosso acesso a ela sempre é mediado pelas nossas interpretações.
Para melhor ilustrar essa ideia, pense na realidade como um oceano, imenso e profundo. Nós navegamos na superfície desse oceano com nossos barquinhos mentais, onde cada barquinho encara as ondas de acordo com sua própria perspectiva. Todo esse movimento na superfície é completamente irrelevante para o fundo desse mar, que continua lá, firme, independente de alguém o estar vendo ou não.
O realismo crítico não nega a existência de uma verdade, mas reconhece as limitações existentes para percebê-la de forma plena. Bhaskar critica duramente o empirismo ingênuo - aquele que acredita que os nossos sentidos captam a realidade exatamente como ela é - e também o relativismo extremo - aquele que afirma que tudo é subjetivo. O que ele propõe é uma abordagem estratificada da realidade, onde o mundo é feito de estruturas, muitas vezes invisíveis e profundas, além de eventos e experiências.
Nossas percepções captam os eventos, as nossas crenças podem até tentar explicar essas estruturas, mas ambas estão diretamente sujeitas a erros. Esse equilíbrio entre a objetividade e a subjetividade se faz essencial nos dias atuais, em que a verdade parece ter se tornado apenas mais uma escolha de menu. O realismo crítico aqui nos convida a calçar as “sandálias da humildade”, pois a realidade existe sim, mas somos nós que precisamos cavar um pouco mais fundo para poder entendê-la.

A Verdade ou a Pós-Verdade, os Marcadores Somáticos e as Simulações Internas
Nós estamos oficialmente na era da pós-verdade. O período em que os fatos considerados objetivos possuem bem menos influência na formação da opinião do povo do que as emoções e as crenças pessoais. Em outras palavras, isso significa que o real já não tem mais uma grande valia, o que importa é o que aparenta ser real, o que agrada os seguidores e aquilo que só confirma o que já acreditamos. A realidade virou um espetáculo, sim, até porque ninguém sabe o que é de fato real, mas todos sabem que o palco é digital.
A internet se tornou um perfeito ecossistema, onde tudo está perfeitamente encaixado com o objetivo de vermos apenas aquilo que queremos ver. Não importa se o que está ali é fake news, guerras, vídeos de gatinho, novas doenças, drones que parecem ETs, filmes de super-herói, ETs que parecem drones, novas pandemias, documentos vazados do serviço secreto americano, conteúdo administrado por algoritmo ou teoria da conspiração, tudo tem apenas um fim, que é o de alimentar as nossas crenças com mais do mesmo.
Em seus primórdios e em sua essência, a internet surgiu prometendo democratizar o conhecimento, mas hoje ela é só mais um espelho mágico onde cada um obtém somente mais da sua própria bolha de realidade filtrada. As consequências disso já desfilam a olhos vistos: informação fragmentada, o diálogo virou gritaria, xingamentos, ameaças de morte… é só ler os comentários…
As crenças já se sobrepuseram à percepção, e a percepção em si já é manipulada por aqueles que controlam os canais de informação. Se antes o nosso desafio era lidar com os limites dos nossos próprios sentidos, hoje o grande desafio é lidar com os limites do discernimento alheio. O problema já não é mais a falta de informação, e sim o excesso dela. Tudo bem empacotado para que seja sedutor, com gancho emocional, gatilhos mentais e viral, óbvio.
Existe uma saída para isso? É claro que sim. Educação midiática, pensamento crítico e um filtro interno bem alinhado. Seria preciso reaprender a duvidar, talvez não de tudo, mas daquilo que for conveniente demais, imediato demais e confortável demais… Quando tudo passa a ser verdade, é aí que o santo tem que desconfiar.
Em 1994, Antonio Damasio escreveu “O Erro de Descartes: Emoção, Razão e o Cérebro Humano” e nos demonstrou que as nossas emoções (os marcadores somáticos) guiam todas as decisões tomadas de forma rápida. As nossas crenças emocionais formam uma espécie de atalho neural que colore a percepção, auxiliando assim as escolhas impulsivas. Se nós crermos que um determinado som simboliza perigo, os nossos batimentos cardíacos disparam antes mesmo de percebermos de forma racional se o som se trata de fato de uma ameaça.
Anos depois, em 2010, Karl Friston propôs que o nosso cérebro age tal qual uma máquina de inferência bayesiana - conceito que se refere ao modo que o nosso cérebro processa as informações, tomando decisões com base em probabilidades e expectativas. O cérebro cria modelos internos e compara-os com os dados sensoriais, as diferenças (erros de predição) geram ajustes - ou são ignoradas.
Segundo ele, isso provaria que as nossas crenças antecipam a percepção. Seríamos como orquestras neuronais que seguem tocando partituras mentais projetadas no palco dos sentidos. Bizarro, né?
Nós Vemos Deus ou só Vemos o que Queremos Ver?
Adentramos agora em terreno sagrado, literalmente. Se existe um exemplo foda sobre o dilema “eu acredito no que vejo ou vejo o que acredito?”, esse exemplo com certeza é a fé. Tudo porque ela opera justamente onde as evidências se escondem e as crenças reinam absolutas.
Muitas pessoas de diferentes religiões e credos já relataram experiências espirituais bem interessantes e profundamente reais. Tem gente que vê Maria, outros veem Buda, tem aqueles que viram os Orixás, ou Alá e até os que conversaram com o próprio Universo, para não falar daqueles que já viram Satã. Do xamanismo ao yazidismo, as experiências sempre são bem verdadeiras para quem as sente.
Mas seria essa verdade objetiva, ou apenas uma projeção das crenças mais íntimas dessas pessoas?
Vamos meter mais uma vez William James na conversa. Esse psicólogo e filósofo estudou a fundo as experiências religiosas e concluiu que elas são profundamente moldadas pelas estruturas mentais e culturais dos indivíduos que as tiveram. Ele disse que a mente humana tem uma predisposição natural a buscar algo divino e esse divino se manifesta na linguagem que a cultura da pessoa fornece.
Carl Gustav Jung e seu conceito de arquétipos foram um pouquinho mais além. Ele disse que as imagens divinas são manifestações do inconsciente coletivo. O que, em outras palavras, significa que elas se tratam de símbolos ancestrais que habitam a psique humana. O “Deus que vemos e conversamos” é só um espelho simbólico do nosso próprio inconsciente.
Do outro lado dessa encruzilhada tinha Richard Dawkins, ele diria que isso tudo é conversa para boi dormir. Para ele, as crenças religiosas são apenas memes, unidades culturais que se replicam e sobrevivem porque oferecem consolo, identidade, estrutura social e respostas para as perguntas mais temidas do tipo “E quando eu morrer? O que rola?”. Em seu ponto de vista, não existe Deus nenhum, só um desejo desesperado de que haja algum.
Mas antes que alguém fique putinho, é bom ressaltar que, mesmo não existindo provas objetivas e cabais da existência de algo divino, as experiências espirituais de fato transformam vidas, inspiram o altruísmo e oferecem sentido para a vida daqueles que as tiveram. Talvez, os fatos e as provas nem importem. Talvez o que importe mesmo seja o impacto subjetivo destas experiências. O crente sempre vê o que acredita… isso molda a sua vida, independente de ser para o bem ou para o mal.
A Visão Cotidiana dessa Coisa Toda
Vamos descer do Monte Olimpo das teorias e colocar nossos pés no chão firme e lamacento do nosso cotidiano. Nós já aprendemos que essa história de achar que vemos o mundo como ele é é pura lorota. Mas ainda tem muita gente que acha que toma decisões racionais e que nossas percepções são confiáveis… Permita-me dizer duas palavrinhas em latim para essa espécie: ridiculus maximus.
Você lembra daquele dia em que, você estava caminhando na rua e de repente olhou para a vitrine de uma loja e pensou que decidiu comprar seja lá o que for por necessidade? Pois é. E se eu te dissesse que seu cérebro foi seduzido por uma iluminação calculada, uma música ambiente precisa, um cheiro artificial de baunilha e um marketing neurológico de última geração? Você realmente achou que escolheu comprar? Sinto dizer que você foi escolhido, querido.
Publicitários e designers trabalham de mãos dadas com a neurociência e a psicologia comportamental para criar ambientes que façam o nosso cérebro “ver o que queremos ver”. As marcas investem bilhões para nos fazer acreditar que estamos no controle. Quando na prática, estão controlando o que vemos enquanto acreditamos que a nossa necessidade de compra é verdadeira.
Ah, e não adianta você vir com a história de que só compra pela internet. Existem especialistas de design também por trás das páginas de compra. Até as cores que são selecionadas possuem um propósito específico, pois cada uma delas provoca uma determinada reação emocional e comportamental em nosso cérebro. Isso é amplamente explorado no marketing, na psicologia ambiental e na comunicação visual. Além disso, a intensidade e saturação da cor também podem alterar a influência emocional que ela causa. Exemplos:
- Vermelho
Estilo emocional: intensidade, urgência, paixão, excitação, fome…
Efeitos no cérebro: aumenta a frequência cardíaca e o apetite, estimula a ação imediata, as decisões impulsivas, causa sensação de calor e/ou alerta.
Normalmente usada em: Promoções (“liquidação”), restaurantes de fast-food (McDonald’s, KFC, Burguer King...), Coca-Cola, chamadas à ação tipo botões de “compre agora”, YouTube, Sparkasse, Virgin (Virgin Media, Virgin Atlantic)…
- Azul
Estilo emocional: confiança, calma, segurança, lógica, soberania…
Efeitos no cérebro: reduz a frequência cardíaca e a ansiedade, associado à seriedade e estabilidade...
Normalmente usada em: Bancos (Itaú, Deutsche Bank, Caixa Econômica, CGD, Barclays…), EDP, Visa, tecnologias (Facebook, IBM, Intel, Samsung...)
- Amarelo
Estilo emocional: otimismo, criatividade, atenção…
Efeitos no cérebro: estimula o sistema nervoso central, aumenta o estado de alerta e a memória visual, causa ansiedade e/ou irritação, impulsividade...
Normalmente usada em: Para chamar atenção a determinados setores e artigos em Lojas, Supermercados (Pingo Doce)… (vitrines, outdoors, cartazes…), marketing infantil, marketing de novidades, alertas, Submarino, Lojas Americanas, iFood, Deutsche Post…
Um resuminho básico e rápido:
Fast-foods usam vermelho e amarelo: estimulação da fome - ação impulsiva.
Tecnologias e bancos preferem azul: passa mais segurança e lógica.
Produtos que se dizem naturais usam verde e marrom: transmitem ligação com a terra e saúde (Natura, Luso, Alnatura, Waitrose, Nescafé, Hershey’s...).
Luxo e Moda apostam no preto e roxo: passam a ideia de maior exclusividade e sofisticação (O Boticário, Guloso, Milka, Cadbury, Porsche, Harrods...).
A indústria do neuromarketing está a todo vapor, já há alguns anos plantando crenças de forma subliminar na mente dos consumidores. Se você acredita que o logotipo da sua marca preferida representa status, é melhor dar uma pesquisada, pois você só está percebendo valor onde não existe. Diversas pesquisas já detectaram gatilhos emocionais que moldam a percepção do público sobre os produtos.
Digamos que isso tudo não passa de uma simbiose bem descarada. “Eu acredito no que vejo porque me fazem ver o que acreditam que eu quero ver” e, graças a essa dancinha, as propagandas continuam mandando mensagens ocultas enquanto nós continuamos acreditando que o consumismo é por nossa escolha.
Você não precisa acreditar em mim. Observe, pesquise, estude e questione.
Passando para a nossa vida pessoal. Quantas vezes nós já julgamos alguém à primeira vista? Não importa se tenha sido pela roupa, pelo jeito de falar, pelo tom de voz ou até mesmo só pela cara mesmo… Nós vemos algo, muitas vezes nem sabemos o que, e já decidimos que a pessoa presta ou não presta.
Tem quem diga que isso é uma questão de vibe, frequência, santo que não bate, energia, antipatia e por aí vai… mas e se essas suposições estivessem equivocadas? E se isso fosse apenas uma confirmação de um estereótipo que nós já possuímos em nossa mente e o qual acreditamos?
Com isso, tudo passa a se resumir em amor ou ranço… A pessoa, muitas vezes, nem está apaixonada por quem o outro é. Só está apaixonada pela imagem de si mesma projetada no outro. Nós vemos o que queremos ver… geralmente, depois de um tempo - podem ser até anos - a cortina do encantamento se desfaz e a realidade aparece - “Ai, mas ele não era quem eu pensava que era…”, “Ele parece um estranho, não o conheço mais…” - começa o dramalhão do horário nobre.
As pessoas sempre são o que são, somos nós que, muitas vezes, não queremos enxergar isso. O ver para crer é um mito. Crer para ver é a nova regra.

Quando as Verdades viram Reféns das Crenças
Vamos agora dar uma arranhada de leve no segundo assunto que possui o terreno mais fértil para o fenômeno “vejo o que acredito”. Já falamos das religiões, agora é a vez da política.
Estamos vivenciando um período bem interessante - para dizer o mínimo. O que consideramos fatos objetivos se transformou em coisas maleáveis e dobráveis, tudo de acordo com o gosto ideológico do freguês. Se você faz parte da galera desocupada que discute política nas redes sociais enquanto acha que irá convencer alguém a mudar de opinião, então você já sabe o que é perder tempo, mas também poderá entender do que estou falando.
Quem discute política em rede social, não importa se através de posts, comentários, stories…, não compreende que ninguém está ali para aprender, está ali para se autoafirmar, para confirmar aquilo que acha que sabe. A internet é um espelho, não uma janela. Cada uma das bolhas ideológicas ali presentes constrói a sua própria realidade e, como toda boa realidade, ela precisa ter os heróis, os vilões, os fatos “alternativos” e até as suas próprias leis físicas.
Você já viu alguém estudando geopolítica no TikTok ou no Instagram? Não importa o assunto, tudo que está ali é superficial, só é chamado de conteúdo porque essa palavra é neutra. O que existe nas redes são gatilhos para chamar a atenção, reforçar as crenças já existentes e distrair as pessoas o maior tempo possível.
Estudos feitos por Jonathan Haidt, psicólogo conhecido por suas contribuições nas áreas da psicologia política e comportamento social, mostraram que as escolhas políticas das pessoas são, em sua grande parte, motivadas por impulsos morais e emocionais. Você pode estar se perguntando: “Onde fica o uso da razão nisso?” Pois é, não fica, porque a razão só aparece para justificar o que já foi decidido emocionalmente.
Eu citei ali em cima os “fatos alternativos”, você pode ter pensado que isso se tratava de um jogo de palavras miserável usado pela autora, mas não. Esse fenômeno foi defendido pela conselheira do governo de um certo presidente dos EUA em 2017. A coitada da senhora estava em um programa de televisão defendendo o então secretário de imprensa da Casa Branca que havia feito afirmações mentirosas sobre o tamanho da plateia presente na posse do presidente. Quando o apresentador do programa apontou a mentira dita pelo secretário, a senhora conselheira respondeu que o seu colega apresentou fatos alternativos.
Cara, usar uma expressão dessas para justificar mentiras e distorções como se elas fossem versões legítimas da verdade já é um absurdo, por mais que extremamente comum no meio político. É como se a realidade tivesse ganhado múltiplas versões, estilo a série da Netflix, onde existem finais diferentes para agradar o público. Esse tipo de distorção cognitiva ocorre na direita e na esquerda dos cenários políticos.
Imagens, vídeos editados, manchetes fora de contexto, fake news, acusações e cadeiras, tudo vira munição. Nós não precisamos de símbolos melhores de desinformação, pós-verdade e de manipulação da realidade do que estes. A autora deste artigo é uma pessoa que questiona, estuda e pesquisa sobre esses assuntos por conta própria. Aos olhos acadêmicos, ela não poderia expressar a sua opinião, pois não possui um pedaço de papel assinado por alguém pendurado em sua parede.
Contudo, ela é a prova de que pessoas leigas podem sim desenvolver pensamento crítico - sem ter frequentado uma universidade e/ou ser PHD em alguma coisa - para fins de reconhecimento das expressões utilizadas para disfarçar ou suavizar mentiras e manipulações. Essas distorções na linguagem, bem como as alterações feitas nos dicionários, deixam bem claro que existem outras versões verdadeiras dos fatos, mesmo quando aquelas usadas em propagandas políticas sejam comprovadamente falsas.
A percepção coletiva é - e sempre foi - moldada, não por evidências, mas por narrativas. As narrativas mais eficazes não são as verdadeiras. São as emocionais.
Dá para confiar no que vemos?
Ah, a ciência. O farol da modernidade que nasceu como uma tentativa de resolução para o dilema: o que é real, afinal? Podemos confiar em nossos sentidos? Como distinguimos uma crença de um fato? De Francis Bacon a Isaac Newton… todos estavam bem loucos para criar um método que limpasse os filtros da percepção.
Assim, nasceu o método científico, baseado em observação, hipótese, experimentação, análise, repetição, conclusão - às vezes em falsificação - ele sem dúvida transformou o mundo. A partir da criação do método científico, nós passamos a ter:
- Agricultura de precisão (com drones, sensores);
- Algoritmos que reforçam desinformação, polarização;
- Anestesia;
- Antibióticos (como a penicilina);
- Armas biológicas (antraz, varíola modificada);
- Armas químicas (gás mostarda, VX, sarin)
- Baterias de longa duração (íon-lítio);
- Bomba atômica;
- Bomba de hidrogênio;
- Carros elétricos e híbridos;
- Ciberarmas e ataques digitais;
- Clonagem terapêutica de células-tronco;
- Computação quântica;
- Compostos biodegradáveis;
- Criação e soltura de espécies invasoras;
- Deepfake (falsificação digital de rostos e vozes);
- Dependência digital e vício em redes sociais;
- Desfibriladores automáticos;
- Desmatamento impulsionado por tecnologia agrícola intensiva;
- Dessalinização da água;
- Diagnóstico por imagem (raio-X, tomografia, ressonância);
- Energia solar, eólica e hidrelétrica;
- Engenharia genética (uso ético e antiético);
- Experimentos humanos antiéticos (Tuskegee, MK-Ultra, nazistas);
- Exploração de dados pessoais (violação de privacidade digital);
- Fertilização in vitro;
- Geoengenharia;
- GPS e geolocalização;
- Impressão 3D de órgãos e próteses;
- Insulina sintética para diabéticos;
- Inteligência artificial em armamentos autônomos;
- Inteligência artificial fora do controle ético;
- Internet e Wi-Fi;
- Manipulação genética com fins eugênicos;
- Nanotecnologia em purificadores de ar e água;
- Obsolescência programada;
- Poluição industrial e metais pesados;
- Poluição por plásticos e microplásticos;
- Próteses biônicas;
- Produção em massa de agrotóxicos tóxicos;
- Protocolo HTTPS e segurança na web;
- Radiação em excesso de aparelhos mal calibrados;
- Reconhecimento facial;
- Robôs cirúrgicos;
- Satélites meteorológicos e de comunicação;
- Sequenciamento genético;
- Smartphones;
- Superbactérias resistentes a antibióticos;
- Telescópios espaciais (Hubble, James Webb);
- Terapias genéticas;
- Terapias para câncer;
- Testes nucleares atmosféricos;
- Transplantes de órgãos;
- Vacinas;
- Vírus criados ou manipulados em laboratório (armas);
Claro que esta lista é muito mais extensa. Veja bem, não devemos esquecer que a ciência não é imune às limitações, os cientistas possuem seus vieses e interesses. Além de as instituições científicas serem pressionadas em função de interesses políticos e econômicos, os próprios métodos possuem seus limites, os cientistas não conseguem medir tudo, testar tudo e repetir tudo - mesmo que divulguem ao contrário. A ciência pode ter poder, mas está longe de ser perfeita e à prova de equívocos.
O mapa nunca é o território, por isso mesmo a ciência não nos livra de nosso dilema. O que nós vemos pode ser, de fato, somente uma aproximação da realidade, mas nunca será a realidade em si. A forma como se interpretam os dados científicos também é moldada pelas crenças. Afinal, quem financia as pesquisas feitas? Qual é a ideologia por trás das escolhas do que será analisado e do que não será? O que se quer provar com isso tudo?
Perguntas e Respostas
- Qual é a diferença entre percepção sensorial e cognitiva?
Percepção sensorial ocorre quando nossos sentidos captam estímulos (luz, som, temperatura). Percepção cognitiva envolve o processamento mental que atribui significado. Ex: ver uma mancha no teto da cozinha é percepção sensorial; perceber a sombra de uma nuvem movendo-se é cognitivo.
- Como as crenças influenciam a percepção do comportamento alheio?
As crenças funcionam como filtros seletivos. Se nós cremos na honestidade de alguém, nós veremos apenas gestos que reforcem a sinceridade. Se nós cremos na malícia de alguém, nós interpretaremos todos os sinais mais pequenos como uma confirmação da mentira. Experimentos de viés de confirmação demonstram a nossa tendência universal em reforçar as nossas crenças iniciais, independentemente de boas ou ruins.
- É possível vermos o mundo sem a influência de crenças?
Segundo a fenomenologia de Husserl, ao suspendermos o juízo (épochê), nós nos permitimos experimentar os fenômenos de forma pura. Já na prática, nós ciliamos as crenças de forma automática. Meditação e atenção plena são formas de reduzir a interferência, mas raramente consegue-se eliminá-las completamente.
- Como a neurociência comprova a interação entre crenças e percepções?
Através de técnicas de neuroimagem que mostram as áreas cerebrais ligadas as crenças que modulam a percepção. Ex: o efeito placebo na medicina, onde há uma crença no medicamento, ocorrerá a ativação das vias de analgesia.
- Quais práticas podem ajudar a equilibrar as crenças e as percepções?
Autoquestionamento para verificar as crenças automáticas e observar as percepções. Atenção plena para perceber e observar sem se rotular ou se julgar. Debate construtivo para expor as crenças e ouvir, ler os pontos de vista opostos. Registro de dissonâncias cognitivas, fazer anotações das situações em que as crenças se confrontam com as vivências. Prática do controle mental, pensar e ter pensamentos são duas coisas completamente diferentes, aprenda a descartar pensamentos negativos e inúteis. Toda e qualquer mudança sempre inicia de dentro para fora, seja a mudança que você deseja ver no mundo.
- Como reconhecer quando a percepção está sendo distorcida pelas crenças?
Preste atenção nas situações em que você se recusa a aceitar informações objetivas só porque elas contrariam as suas convicções. Se o seu bem-estar depende de manter certas crenças, você provavelmente está criando justificativas para ignorar as evidências contrárias. Reconhecer o desconforto mental ao ser confrontado com outras ideias é sinal de viés.

Entre o Ver e o Acreditar?
Nem tudo que nós percebemos é real, assim como nem todas as crenças decorrem de uma percepção. Nós vivemos em uma sociedade onde tanto as percepções quanto as crenças são facilmente manipuláveis. As crenças moldam a nossa realidade e as realidades reforçam cada vez mais as crenças. Nós somos os responsáveis pelas ilusões que habitam a nossa mente.
Quando não nos interessamos por nossa realidade, nós caímos nos arbítrios filtrados daqueles que almejam lucrar com as nossas certezas automatizadas. Crenças automáticas aprisionam as mentes. A ideia de uma verdade absoluta foi desmantelada e não passa de utopia, com isso poderíamos ao menos alinhar nossas crenças e percepções internas mediante pensamento e diálogo críticos e intersubjetivos.
Boa parte do que acreditamos foi “implantado” em nossa mente pela nossa família, cultura, amigos, escola, algoritmo de rede social… e sinceramente, muitas delas são apenas lixo emocional, intelectual e até moral. Limpar a casa de vez em quando é bom. Assim como pensar com a própria cabeça, por mais desconfortável que isso seja. Quem não cultiva o questionamento vira massa de manobra.
Grande parte daquilo que achamos que sabemos é apenas aquilo em que decidimos acreditar. Isso não nos faz melhores ou piores, isso faz de nós humanos. O problema é quando confundimos opiniões com verdades, percepções com realidade, filtro com fatos.
Sendo assim, saiba que tudo o que você leu aqui faz parte da minha visão de mundo, ela não precisa ser a sua também. Acreditar em alguém que você julga mais conhecedor é sempre mais confortável. Já questionar e buscar por si mesmo é sempre mais doloroso. Quando for escolher entre o que é fácil e o que é certo, faça, ao menos, de maneira consciente. Consciente de que esta escolha pode mudar a sua vida. Não seja mais uma peça do jogo cujo tabuleiro você nunca viu.
Portanto, a pergunta que fica agora não é mais se somos vítimas ou responsáveis por tudo isso - porque somos ambos. A pergunta é: O que faremos com esse saber?
“A ilusão se desfaz quando questionamos a realidade.” - UN4RT
Seguem as fontes, referências e inspirações. Boa sorte, você vai precisar. Os links direcionam para UN4RTificial, o Blog, lá você encontra uma mini-biografia do autor e algumas de suas obras.
- Parmênides de Eleia, Os Fragmentos de Parmênides.
- Heráclito de Éfeso, Fragmentos.
- Platão, A República.
- Aristóteles, Metafísica.
- René Descartes, Meditações Metafísicas.
- John Locke, Ensaio sobre o Entendimento Humano.
- George Berkeley, Tratado sobre os Princípios do Conhecimento Humano.
- David Hume, Investigação sobre o Entendimento Humano.
- Immanuel Kant, Crítica da Razão Pura.
- Max Wertheimer, Kurt Koffka e Wolfgang Köhler, Princípios da Psicologia da Gestalt.
- Johan Gottlieb Fichte, Doutrina da Ciência, Doutrina do Direito e os Discursos à nação alemã.
- Friedrich Wilhelm Joseph von Shelling, O Sistema do idealismo transcendental.
- Arthur Schopenhauer, O Mundo como Vontade e Representação.
- Friedrich Nietzsche, Além do Bem e do Mal e Fragmentos Póstumos.
- William James, Princípios de Psicologia e As Variedades da Experiência Religiosa.
- Michel Foucault, A Arqueologia do Saber e Vigiar e Punir.
- Richard Rorty, Contingência, Ironia e Solidariedade.
- Peter Wason, psicológo responsável pelo descobrimento do efeito “viés de confirmação” - Wason and the 2-4-6 Task.
- Hans Christian Ørsted, físico e químico dinamarquês responsável pelo início do Eletromagnetismo, foi também o primeiro pensador moderno a descrever de forma explícita e denominar a experiência mental.
- Giulio Rizzolatti, Leonardo Fogassi e Vittorio Gallese, Neurophysiological mechanisms underlying the understanding and imitation of action. - Nature Reviews Neuroscience.
- Raymond S. Nickerson, Confirmation Bias: A Ubiquitous Phenomenon in Many Guises. - Review of General Psychology (Viés de confirmação: um fenômeno onipresente sob muitas formas).
- Daniel Simons e Christopher Chabris, O Gorila Invisível.
- Karl Friston, The free-energy principle: a unified brain theory? - Nature Reviews Neuroscience (O princípio da energia livre) e estudos sobre o cérebro preditivo.
- Antonio Damasio, O Erro de Descartes: Emoção, Razão e o Cérebro Humano.
- Robert Rosenthal e Lenore Jacobson, Pygmalion in the Classroom - The Urban Review (Efeito Pigmaleão).
- Francisco J. Varela, Evan Thompson e Eleanor Rosch, A Mente Incorporada: Ciências Cognitivas e Experiência Humana..
- Martin E. P. Seligman, Florescer: Uma nova compreensão sobre a natureza da felicidade e do bem-estar.
- Roy Bhaskar, Uma Teoria Realista da Ciência.
- Carl Gustav Jung, O Homem e seus Símbolos.
- Richard Dawkins, Deus, um Delírio.
- Jonathan Haidt, A Mente Moralista.
- Francis Bacon, Novum Organum.
- Isaac Newton, Princípios Matemáticos da Filosofia Natural.
- Martin Lindstrom, Buyology: Verdades e mentiras sobre por que compramos.
- Edmund Husserl, Ideias para uma Fenomenologia Pura e para uma Filosofia Fenomenológica.
- Eli Pariser, O Filtro Invisível.
- Jean Piaget, A Epistemologia Genética.